Por Alexandre Alves
“Glória a ti, neste dia de glória”
Envolvida por um mar repleto de branco e, também, de todas as cores e sabores, axés e religiões diferentes, a Lavagem do Bonfim aconteceu por mais um ano em Salvador. Neste misto de fé, alegria e disposição para cumprir os 16 km do percurso, a festa foi, mais uma vez, símbolo da nossa tradição e sincretismo. Embora os políticos quisessem chamar a atenção da festa mais do que o próprio santo anfitrião, a Lavagem começou com a saudação a Oxalá: “Êpa babá!”*
Para aqueles que são devotos da lavagem, algumas situações já são velhas conhecidas: o jegue (para fúria dos ambientalistas), as marchinhas carnavalescas, o bloco dos gringos (pessoas de outros países que aparecem com a cara torrada do sol e chegam com seus sotaques pitorescos, tentando se enturmar com a nossa gente) e, pra completar, a reunião de artistas que caíram no ostracismo e enxergam na festa uma oportunidade de matar a saudade dos tempos de glória junto ao público.
Além disso, outra coisa que é comum acontecer na Lavagem é a “sorte” de encontrar aquele amigo (a) que você não tinha notícia há um bom tempo, perdido no meio da multidão. Pronto! Aí o culto da hospitalidade de todo bom soteropolitano fala mais alto e você se vê na obrigação de dividir aquela cervejinha para que se cumpra o mandamento principal das festas populares na Bahia, cuja premissa nº 01 diz: “quando o sujeito (a) encontrar o amigo nestes momentos, todo baiano que se preze deve fazer a seguinte pergunta: ‘e aí véi, bó tomar uma?’, e só depois deste ritual poderá seguir o caminho em paz”. É o que reza a lenda.
Outra peculiaridade da festa diz respeito a uma grande contradição. Ocorre que muita gente faz o percurso de 16 km e volta pra casa 3 kg mais pesado. Como se explica esse fenômeno? Para aqueles que estão interessados em ganhar uns quilos a mais, prestem muita atenção: primeiro, você toma um café bem reforçado antes de ir para festa, assim que chegar no bairro do Comércio bebe uma água de coco para “iniciar os trabalhos” e, logo em seguida, pode ficar sossegado para tomar cerveja à vontade. Ao passar pelo bairro da Calçada, se delicie com um churrasco ou queijinho para rebater o álcool e, quando chegar na Colina Sagrada – depois das preces e do banho de água de cheiro – desça na Baixa do Bonfim ou no estaleiro (conjunto de bares que ficam localizados na enseada da Ribeira). Para encerrar o serviço, peça um prato de feijoada – cheio de carne e sempre acompanhada da cerveja – e siga em frente até a hora que o bolso e o corpo aguentarem.
Na volta para casa, para quem mora no Subúrbio há duas opções: ou pega a travessia de barco Plataforma-Ribeira, ou vai para estação da Calçada que (graças à Deus!) está funcionando. Pra quem mora em outros bairros da cidade, o jeito é voltar pro Comércio e pegar o carro, ônibus ou táxi para ir pra casa. Pronto! Agora sim podemos dizer que o ano começou de verdade, e, a partir daí, é só voltar à rotina e juntar dinheiro, porque dia dois de fevereiro tem festa no mar. Odoyá!**
* “Êpa babá” – Saudação a Oxalá, representação do Senhor do Bonfim no Candomblé.
** “Odoyá” – Saudação a Yemanjá.